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Mudar de país: um desafio de reconstrução



Era dezembro de 2019 e eu estava fazendo minha mala para mudar para o Vale do Silício. Aquele momento especial que temos que resumir toda uma existência em 48kg de bagagem. Minha mãe estava comigo, me ajudando na empreitada. Eu estava naquele vai-não-vai interminável de olhar cada roupa do armário e decidir o que ia, o que ficava e doava.


Até que cheguei em umas blusas mais arrumadinhas que usava para atender no coaching ou para reuniões. Decidi pela pilha de doação. Eu não iria atender ninguém, eu não iria em nenhuma reunião, pensei. Eu imaginava que não iria usá-las nem para ir ao supermercado. Pensei que seria melhor levar somente as camisetas mesmo.


Foi quando a minha mãe disse, com uma sabedoria meio cansada: Estefânia, você não deixa de ser quem você é só porque mudou de país.


Você não deixa de ser quem você é só porque mudou de país. Você não deixa de ser quem você é só porque mudou de país.


Eu lembro que essa frase ficou ecoando na minha cabeça diariamente. E eu pensava, será mesmo?


Naquela época, eu já sabia que no Vale do Silício, é mais fácil você encontrar alguém de pijama na rua do que arrumado. Hoodies e calças de moletom são quase uma religião por aqui. Se você está gastando tempo escolhendo roupa, você está deixando de fazer algo incrível. E eu fiquei pensando como que estar neste ambiente ia afetar minha identidade. A roupa, claro, foi só uma metáfora para mudanças e perguntas muito mais profundas. 3 anos depois, eu tenho a resposta.


Mas antes de te contar, deixa eu explicar a fundo o que é identidade, essa coisa abstrata, mas tão presente na nossa vida.


Identidade é o conjunto de coisas que constroem o senso de quem você é. Características físicas, psicológicas, papéis sociais, gostos, preferências e outros aspectos. Eles te ajudam a se diferenciar dos outros e guiam suas decisões pequenas e grandes - mesmo sem perceber.


A sua identidade é construída e influenciada por experiências que você viveu, como você foi criada, quais programas de TV você vê, pessoas que você conhece, etc. É ela que serve de âncora e te dá um senso de continuidade dia após dia.


Eu, por exemplo, sou a Estefânia. Mineira, irmã mais velha, esposa, tenho 2 gatas, sou psicóloga, empreendedora, analítica, rápida, empática, corajosa. Amo café e me sinto muito bem quando acordo cedo. Amo conversar com as pessoas e ajudá-las a se entender. Não gosto de enrolação e tenho zero paciência para quem se acha a última bolacha do pacote.


Se você perguntasse em 2019, eu talvez falaria mais ou menos esta descrição aí. A maioria das coisas do meu coração continuaram as mesmas (ó lá o “senso de continuidade”), mas a permissão e o espaço que morar no exterior nos dá, me ajudou a perceber que algumas coisas mudaram sim.


Aprendi a DESAPEGAR de alguns aspectos da minha identidade anterior. Um pouco de quem a Estefânia era ficou para trás na pilha de doação, outros pedaços foram RESGATADOS e relembrados. E eu fui me reconstruindo.


DESAPEGOS:

- Morando no Vale do Silício, eu percebi que não gosto tanto de cidade grande assim. E olha que eu amava SP.

- Também não como mais carne/frango no meu dia-a-dia, só em ocasiões muito especiais.

- Não sou tão festeira quanto pensava e, agora, amo ficar em casa.


RESGATES:

- Meu esporte favorito é natação.

- Eu amo estudar e me faz bem fazer isso todo dia.

- Escrever é meu refúgio e onde sedimento meu conhecimento.

- Amo uma varanda!


DESCOBERTAS:

- Percebi que eu adoro fazer trilhas e estar perto da natureza.

- Gosto de caminhar todo dia pela manhã.

- Não gosto de inverno, agora que sei que significa ficar noite às 4 da tarde.

- Posso ser engraçada, não o tempo todo, mas quando estou inspirada :)

- Ainda não descobri como ser engraçada e psicóloga ao mesmo tempo.


E sabe algo que esquecemos frequentemente? Esta lista é viva. Todo dia eu adiciono, examino e me entendo melhor. E acredito que realmente esse seja o caminho: a flexibilidade.


Agora eu volto a perguntar: a gente deixa de ser quem somos quando mudamos de país?


A resposta é: não. Não mesmo. Minha mãe tinha razão.


Depois do susto inicial que é a adaptação à nova vida no exterior e também com tempo suficiente para novas vivências e experiências, você vai conseguindo construir qual é sua Identidade 2.0 - que é, claro, com a base de quem você era no Brasil, e algumas atualizações.


Quem lê esta lista aí acima, pode ter a impressão que um belo dia estas conclusões caíram na minha cabeça, feito um piano. Mas cada ponto foi vindo aos poucos, um passo depois do outro, como tudo que acontece com a gente.


Num primeiro momento (acho que o primeiro ano inteiro nos EUA) era como se minha identidade estivesse quebrada em mil pedaços. Eu estava perdida, não sabia quem eu era, duvidava das minhas habilidades. Saía de pijama para fazer compras, achando que se eu imitasse o que estava à minha volta, eu ia me encontrar.


A segunda etapa, foi uma abertura ao novo, às possibilidades. Eu consegui abrir espaço para explorar, para a curiosidade. E comecei a observar como eu me sentia com estas peças, atividades e comportamentos novos.


E por último, foi o resgate de quem eu era e uma avaliação geral, tipo Marie Kondo. O que me traz alegria? O que me pertence? O que quero seguir sendo? O que quero dar espaço para vir? O resto, desapeguei. Ou melhor, ainda estou desapegando :)


Desapegar, Descobrir, Resgatar, nada disso é fácil, mas o resultado desta Reconstrução, da Identidade 2.0, é um senso de identidade, de confiança e autenticidade que é libertador e que ninguém te tira.


Quer minha ajuda para entender quem você é vivendo no exterior? Marque uma sessão experimental comigo! www.estefaniabarsante.com/expatriadas


** Photo by Liu Revutska in Unsplash


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